Lendo uma matéria publicada nesta semana no ilhéus.com.br, parei para pensar um pouco sobre a nossa sociedade, sua formação e estrutura. Estamos vivendo um processo de favelização, desde as primeiras migrações, lá nos tempos da ascensão do cacau e tudo o que ele nos trouxe. Ilhéus, ao longo dos anos, enfrenta um desafio crescente com o aumento das áreas de favela, onde cerca de 65 mil pessoas vivem sem acesso a serviços e infraestrutura essenciais, segundo o Censo 2022. Este número, que representa aproximadamente 36% da população local, evidencia um processo histórico e social marcado pela exclusão e desigualdade. Embora as favelas estejam frequentemente associadas a problemas como a violência e a precariedade, elas também revelam a força e a resiliência de comunidades que lutam pela sobrevivência e sonham com um futuro melhor.
O processo de favelização em Ilhéus é um reflexo de fatores históricos. Ao longo do século XX, a cidade viu uma migração significativa de trabalhadores rurais, atraída pela economia do cacau e pela promessa de empregos urbanos. Contudo, a falta de planejamento urbano e de políticas habitacionais efetivas levou à ocupação de áreas sem infraestrutura adequada, formando os primeiros núcleos de favelas. Sem políticas públicas de longo prazo, essas áreas crescem desordenadamente, agravando a exclusão e dificultando o acesso a oportunidades de trabalho, saúde e educação.
A vida nas favelas de Ilhéus traz desafios cotidianos. A ausência de saneamento básico, água potável e iluminação pública deixa a população vulnerável a doenças e à insegurança, gerando um ciclo de precariedade que atinge não apenas os moradores, mas toda a cidade. A prevenção de doenças como dengue e tuberculose é uma constante em áreas onde a infraestrutura é insuficiente. Além disso, a falta de policiamento adequado contribui para o aumento da criminalidade, expondo os moradores a riscos diários. Essa realidade alimenta um sistema de exclusão social que dificulta a mobilidade econômica e perpetua a pobreza entre gerações. A exclusão das favelas reflete, de certa forma, a incapacidade da sociedade de integrar e oferecer oportunidades reais para todos, ecoando a visão de Paulo Freire: “Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão.”
As favelas de Ilhéus desempenham, entretanto, um papel vital na dinâmica econômica da cidade. Muitos moradores dessas áreas são trabalhadores essenciais, ocupando postos na construção civil, no comércio e nos serviços urbanos, muitas vezes com atualizações insuficientes e sem garantias trabalhistas adequadas. Eles são uma base de economia local, mas, ironicamente, também são os mais afetados pela falta de condições dignas de vida. Ignorar o valor desses trabalhadores e a necessidade de investir em suas condições de moradia e segurança é subestimar sua importância para o desenvolvimento da cidade. Esse contexto exige políticas públicas que reconheçam e valorizem esses indivíduos, promovendo melhorias nas áreas ocupadas e oferecendo alternativas de habitação dignas.
Milton Santos, renomado geógrafo brasileiro, capturou essa dinâmica quando afirmou que “a cidade não é apenas um local de trabalho, mas também um espaço de vida”. Porém, para muitos, esse “espaço de vida” tem se tornado uma realidade hostil e marginalizadora. A cidade, que deveria ser um lugar de integração e convivência, acaba por se transformar em um campo de segregação, onde as desigualdades sociais e econômicas se tornam ainda mais evidentes, aprofundando o abismo entre as classes e excluindo milhões de cidadãos de um padrão mínimo de dignidade.
O combate à favelização em Ilhéus requer, portanto, um esforço coletivo entre o poder público, a sociedade civil e as comunidades afetadas. A implementação de políticas habitacionais e o investimento em infraestrutura básica são essenciais para transformar a realidade dessas áreas.
Além disso, é fundamental que a população participe ativamente na criação e implemente essas políticas, garantindo que elas respondam às necessidades reais das comunidades. Ações como capacitação profissional e geração de emprego também são cruciais para romper o ciclo de pobreza e promover a mobilidade social.
A construção de um futuro justo e inclusivo em Ilhéus depende da ação coordenada para respeitar e promover a dignidade de todos. Como observou Nelson Mandela, “A pobreza não é um acidente. Como a escravidão e o apartheid, ela é criada pelo homem e pode ser removida pelas ações dos seres humanos.”
Assim, é fundamental que uma sociedade se comprometa com a transformação social, combatendo a favelização e garantindo a cada indivíduo o direito a uma vida digna e com oportunidades. Somente com esse compromisso será possível construir uma cidade verdadeiramente inclusiva, onde todos possam sonhar e participar ativamente na construção de um futuro melhor. Esperamos que nos próximos anos possamos de fato construirmos a cidade feliz apontada por Aristóteles.